1. A mulher no medievo.
O papel da mulher não esteve, ao longo da
história, necessariamente em crescente evolução, como muitas vezes se avalia. O
que é de conhecimento geral, a partir da criação do Ocidente, principalmente a
partir da Cristianização instituída como Igreja Católica, é o estigma
fundamentado no domínio patriarcalista da sociedade medieval. Mas há que se
compreender que este fato, praticamente oficializado durante o império de
Carlos Magno, não corresponde a uma progressão do que antes a mulher vivia na
Idade Antiga. As culturas de diferentes povos e tribos, que se situavam em
localidades, muitas vezes, longínquas umas das outras, permitiam o
desenvolvimento social em direções as mais variadas e em posições distintas,
conforme a herança étnica e as tradições cultuadas.
Culturalmente, outros povos (os celtas, por
exemplo) consideraram a mulher como represente do Bem. Não foi, no entanto, a
única postura diante do elemento feminino e a imagem da Deusa como companheira
eterna do Criador. Há registros de outras culturas antigas que, igualmente,
delegavam à mulher uma posição de destaque nas atividades em sociedade e em
família, estando esta imagem ligada ou não à divindade. Nem sempre o aspecto
religioso foi determinante. A capacidade física aparentemente frágil e
compleição robusta, ao mesmo tempo, unidas à capacidade geradora de vidas e da
reprodução foram fatores de admiração, respeito e até mesmo temor por parte dos
homens, em muitas sociedades.
1.1 Matrimônio.
As estratégias matrimoniais tinham por
função organizar e controlar as relações sociais. O casamento, sobretudo, não
mais era do que um pacto entre duas famílias. A mulher exercia uma passividade
esperada pela sociedade: era sua principal virtude. Entretanto, poucas mulheres
da aristocracia esquivaram-se dessa sujeição. Algumas damas do século XII e
XIII pagaram ao rei somas grandiosas de suas fortunas em troca da escolha de um
novo casamento. Os dotes poderiam chegar a valores altíssimos e isso não
constituía vantagem para a família da moça, pois instigava uma disputa
considerável por parte dos rapazes, o que representava uma ameaça aos bens de
família. Devido a esta situação, muitos pais decidiam enviar suas filhas aos
conventos, condenando-as a se tornarem
“esposas de Cristo”. Nesta época registrou-se um aumento de estabelecimentos
religiosos, em atendimento à estratégia de proteção ao patrimônio familiar.
Muitas vezes era menos dispendiosa a união com Deus do que a conjunção
matrimonial. Macedo (1990) conclui que o destino das mulheres aristocratas
esteve completamente vinculado aos processos de transmissão de bens materiais e
econômicos.
Uma vez escolhido o casamento como destino
da mulher, é notório como as formas de poder feudo-vassálicas se projetavam na
relação conjugal. Amor, afeto e carinho eram manifestações pouco comuns nessas
uniões. Segundo Macedo (1990) “a concepção ético-social do amor não se
identificava com os compromissos e juramentos constantes nessa forma de
casamento” (p. 16). A mulher dirigia-se ao esposo como seu “senhor”, denotando
assim a transposição da vassalagem, do amplo domínio feudal, para o restringido
meio doméstico.
2. Dualidade da mulher.
A concepção de perfeição da mulher esteve
intrinsecamente associada ao culto à Virgem Maria. Entretanto, a popularidade da
Virgem não aconteceu ao mesmo tempo da criação da Igreja Católica;
desenvolveu-se ao longo da Alta Idade Média e afirmou-se entre os cristãos. No
século V, mais precisamente em 431, o Concílio de Éfeso proclamou a imagem de
Maria como Mãe de Deus, anulando a imagem anterior de Mãe de Cristo. A inserção
e aceitação de seu culto sofreram uma longa evolução, estabelecendo-se,
fortemente, por volta do século XI.
A Virgem Maria, no século XII, por meio de
Santo Anselmo e de Abelardo, foi celebrada com grande alegria, ao revestir-se
do símbolo da redenção feminina, contrariamente à figura de Eva, considerada
pecadora. Assim, apreciada a “nova Eva”, trazia o rótulo da pureza, da
castidade, da grandeza de alma e de coração, resumindo-se em santidade sua
imagem. As mulheres foram, então, extremamente consoladas ao receberem um
modelo oposto à primeira Eva, responsável pela perdição de todo o sexo
feminino. Sendo assim, o culto marial alcançou enorme popularidade, aparecendo
em vários sermões, tratados e poemas feitos em louvor à Virgem.
3. A mulher e a
figura de bruxa e feiticeira.
A igreja criou uma moral social, onde prostitutas,
cafetões, mendigos, etc. estiveram à margem da sociedade, assim como portadores
de deficiências físicas e doenças contagiosas. Eram marginalizadas também mulheres
conhecedoras de ervas medicinais, benzeduras e simpatias contra fatos indesejáveis,
tidas como bruxas e feiticeiras.
É a partir do século XIV que a mulher
recebe o estigma maligno de bruxa. As feiticeiras passaram a ser vistas como
servidoras do demônio e o estudo desta “religião” ou culto demoníaco passou a
ser objeto de interesse de muitos homens do clero, tornando-o, muito mais do
que uma ameaça social, um ataque às forças representadas pela Igreja e por seus
membros. A perseguição às mulheres e homens ligados às práticas mágicas começou
a tomar forma e, é importante salientar que não somente a Igreja teve grande
participação neste processo, mas também os juízes seculares e o próprio povo,
que dominado pelo temor à ira de Deus e pela idéia pavorosa do Inferno, muito
contribuiu na denúncia, busca e apreensão de supostos criminosos.
As atividades comuns da feiticeira envolvem
a utilização de ervas e ungüentos, preparados especiais para diversas
enfermidades, principalmente àquelas advindas do coração, sempre necessitadas
de orientação psicológica. Dessas atividades resultavam conhecimentos positivos
que foram transmitidos da feiticeira greco-romana à sua primeira correspondente
ocidental: a feiticeira medieval. Durante a Idade Média, devido ao conceito
mental impresso às práticas mágicas, a feitiçaria ficou relegada unicamente ao
domínio do Mal.
Um outro aspecto importante a declarar é a
necessidade que os homens da Idade Média tinham da existência e presença da
feiticeira: ela era como uma terapeuta de males físicos e sociais. Toda a
sociedade buscava seus auxílios, desde os mais pobres aos mais abastados e até
mesmo a nobreza. Sua atuação em uma aldeia chegava às terras mais distantes e a
fama lhe trazia clientes. Portanto, Nogueira (2004) destaca que a consciência
medieval retoma da Antigüidade Clássica a ação benéfica da magia, que, por sua
vez, fundamenta a existência da boa feiticeira. Esta, na visão popular,
utilizava seus conhecimentos oriundos de séculos de práticas acumuladas de
feitiçaria para amenizar ou curar enfermidades.
Nogueira (2004) defende a idéia de que a
bruxaria, ao contrário da feitiçaria, foi uma prática mágica rural e de caráter
coletivo, assumindo no imaginário de uma comunidade um papel bem mais passivo
do que a feitiçaria, uma vez que dependia do juízo e da deliberação das
próprias pessoas de uma coletividade mesmo para existir. O autor salienta ainda
que essas distinções recebem maior ou menor aceitação entre estudiosos de
vários segmentos, como a História, a Filosofia e a Antropologia, também tocando
nos conceitos da Sociologia. Assim, cita Evans-Pritchard, autor da obra Witchcraft,
oracles and magic among the Azande, que tornou clássica para os antropólogos
uma distinção entre a feitiçaria e a bruxaria: para Pritchard, a bruxa não
necessita de rituais, não pronuncia encantamentos e não utiliza poções ou
filtros mágicos; ela se constitui numa ofensa imaginária, isto é, um ato
psíquico. As feiticeiras, estas sim causam danos aos homens através de seus
rituais e atos maléficos mágicos que ultrapassam a margem do psíquico e
alcançam a materialidade em seus resultados.
Elaborado pelo aluno José Kleibson da Silva- 5° Período de Letras da Faculdade São Miguel
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