Alunos do 5º Período do Curso de Letras Da Faculdade São MIguel

Alunos do 5º Período do Curso de Letras Da Faculdade São MIguel

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Regionalismo e o engajamento social na prosa de 30 – Jorge Amado


Faculdade São Miguel – Curso de Letras – 25.05.11

Literatura Brasileira – Prof. Felipe Aguiar

Aluno – Wesley Moreira – V Período


 

Regionalismo e o engajamento social na prosa de 30

 Jorge Amado


 


 

Segundo Afrânio Gurgel de Lucena, a literatura de 30 apresentava enredos com representação social, em que o sujeito tinha uma personalidade que vai transformar o mundo ou vai ser moldado pelo meio. A prosa de 30 apresentava escritos onde predominava o engajamento social em que a sociedade reforma o homem e o remete ao bem ou ao mal.


 

            [...] o que ressalta é o quadro, o ambiente, a terra ou a cidade, os dois elementos em franca hostilidade ao homem, devorado pelos problemas que o meio lhe opõe. Foi graças às técnicas do Realismo que a ficção brasileira logrou a vitória nessa incorporação do regional, imprimindo-lhe um valor e um significado universal (COUTINHO, 1988, p. 300).


 

            Ao refletirmos sobre o Romance de 30, ficamos mais convencidos que essa produção é resultado de um amadurecimento intelectual nacional que soube falar de uma região e de um povo, e transformar isso em ficção, essa, além de tudo, se sobrepõe como documento de uma sociedade narrada a partir do seu interior, apresentada por uma escrita de denúncia e testemunho social.


 

            Segundo Antônio Cândido, o regionalismo – consiste no processo interpretativo de sua consolidação enquanto instrumento de afirmação nacional, crítica social e investigação da dimensão psicológica do habitante do sertão, o que se desenvolve ao longo do conjunto de sua obra por meio da relação com a ideia de subdesenvolvimento


 

            O romance de 30 do Nordeste apresenta algumas características como: fundiu a tendência neo-realista; emancipação de modelos europeus e à edificação da nacionalidade; construção do nacional; retomada do romantismo; anseio pela nacionalidade e o desenvolvimento de uma literatura que pulveriza o todo nacional em regiões, foi uma literatura que retoma a consciência do subdesenvolvimento, mergulho na análise local por meio do engajamento social que tomava homem e meio a partir de uma interpretação sócio-política.


 

            O regionalismo literário impõe-se como uma espécie de termômetro, capaz de resumir em seus traços, ora a aceitação de modelos estrangeiros, ora a tentativa de afirmação – frustrada ou não – de uma representação tipicamente nacional, ou ainda certa autonomia promotora de representações menos artificiais.


 

            Ligia Chiappini atrela o regionalismo a um posicionamento de aceitação ou recusa das transformações sociais de cada período. Segundo a autora as narrativas eram preocupadas mais com a denúncia do que com a procura de uma representação estética que não crie um hiato entre forma e conteúdo representação da coletividade


 

            Se, por um lado, esse estado de coisas justifica que a literatura engajada do ciclo nordestino seja apontada como uma forma narrativa que se atém sobremaneira aos conteúdos, reafirmando posições anteriores de que a prosa do período se valeria das conquistas estéticas da geração que o antecedeu, por outro, a objetividade da análise e a crueza dos contornos que desenham o quadro desse romance não permitem que essa produção seja desvinculada dos mesmos moldes naturalistas que cindem a literatura regionalista desde o segundo momento indicado pela autora. Tal conjunto de fatores é visto por Walnice Nogueira Galvão como o desencadeador de um novo paradigma de composição do regionalismo brasileiro a partir da década de 30, de modo que a tendência naturalista serviria de eixo motivador para a avaliação que a crítica faria dessa literatura.


 

            Segundo Juliana Santini a literatura de 30 tem características de documentário jornalístico e o regionalismo é uma forma literária tributária do subdesenvolvimento econômico e, por isso, sustenta-se na incorporação estética de regiões em que a globalização não se realizou de modo homogêneo.


 

             Segundo Carolina Fernandes Calixto - Brasil Regional de Amado - Interprete do Brasil, o autor Jorge Amado é conhecido por elaborar um modelo de representação nacional com base no regionalismo e no ideário da positivação do caráter mestiço da sociedade brasileira. A sua literatura e a arte como um todo teriam uma grande possibilidade de generalizar certas formas de pensar e agir devido à sua forte influência na sociedade. A partir da semana de arte moderna, o país passou a pensar numa identidade nacional, em que para ser nacional era preciso, antes de tudo, ser regional e pensar o país desta forma


 

            Jorge Amado imprime em sua obra tanto a sua memória pessoal quanto a sua experiência histórica. Através da forma única como retratou o povo brasileiro e de como sua obra transcendeu o campo artístico-literário, Amado é ainda hoje um dos autores brasileiros mais lidos, conhecidos e reconhecidos em âmbito nacional e internacional. (GOLDSTEIN, 2003, p.20). O autor vai enveredar pelo caminho do regionalismo, sendo crítico à adoção de valores estrangeiros e identificando os malefícios do progresso. (OLIVEN, 2004, p.196).


 

            Reconhecido pela ênfase contumaz que dedicava ao saber popular, ao sincretismo religioso e à miscigenação, em todas as suas formas, Jorge Amado nem sempre teve estes ideais tão presentes em seu discurso. Assim, O País do Carnaval (1931), seu primeiro livro, por exemplo, é marcado por uma espécie de “pessimismo artificial de jovem de 18 anos” (GOLDSTEIN, 2003, p.123) em relação ao povo brasileiro, próximo ao divulgado pelas ideias racistas do século XIX. O seu personagem principal, Paulo Rigger, por exemplo, pode ser considerado como uma alusão ao “pessimista” Paulo Prado.


 

            Filho de fazendeiro de cacau, Jorge Amado passou a tomar consciência das questões sociais primeiramente pelo contato com os empregados da fazenda de seu pai em Ferradas, distrito do município de Itabuna, na Bahia e depois ao viver “misturado com o povo da Bahia” (GOMES, 1981, p.10), por volta de 1927. É nesta época também que o movimento modernista, que explodiu em São Paulo no ano de 1922, “chega” ao Nordeste e o autor, juntamente com outros literatos, fundam a Academia dos Rebeldes, grupo de jovens cujo objetivo era a renovação literária e a promoção de modificações na sociedade. Apesar do início do contato com a cultura popular e com as ideias modernistas, o próprio romancista considera que o que produziu nesse momento era subliteratura (GOMES, 1981, p.11), uma vez que ainda não teria experiência de vida nem literária. (GOMES, 1981, p.16). Mesmo que cada uma de suas obras represente o homem que Amado foi no momento em que as escreveu, podemos enxergar a unidade do conjunto se considerarmos que, em suas especificidades, elas simbolizam um processo de maturação humana e intelectual de seu criador. Além disso, para o próprio autor, o grande amálgama que vincula e perpassa toda a sua obra advém de seu posicionamento “ao lado do povo, contra os inimigos do povo”. (GOMES, 1981, p.29).


 

            Assim, em Jubiabá (1935), romance que inaugura a fama internacional do escritor, Jorge Amado toca, pela primeira vez, diretamente na questão racial, enxergando-a sob o prisma marxista da luta de classes. Essa temática só alcançará uma reflexão mais profunda em Tenda dos Milagres (1969). (GOLDSTEIN, 2003, p.141). Para além da militância política explícita que caracteriza alguns de seus livros, como O Cavaleiro da Esperança e O Mundo da Paz, a temática-chave principal que definirá a sua obra é sem dúvida a miscigenação, envolvendo o aspecto cultural, étnico e religioso do povo brasileiro.


 

            Através de seus romances de cunho folhetinesco, e, destacadamente, pelo uso do humor enquanto arma política (muito mais destrutivo e terrível do que qualquer panfleto político, segundo o próprio) (apud GOMES, 1981, p.30), o autor conseguirá uma penetração dos seus ideais maior do que qualquer trabalho essencialmente panfletário. Tomando a Bahia enquanto ícone e símbolo de nacionalidade, por ser idealmente o pólo da miscigenação, ele constrói seu ideal de Brasil a partir da cultura popular e da dinâmica social baiana, transpondo-as à nação como um todo, sem deixar de entender as especificidades regionais que o país engloba.


 

            Ao fazer uso de uma linguagem acessível e envolvente, similar à linguagem dos folhetins, tratando de temas populares, e ao exaltar a cultura popular, o discurso de Amado foi sendo adotado pelo povo brasileiro, ainda que boa parcela da população nunca o tenha lido. Seu universo ficcional alcançou visibilidade, sobretudo, através de outros meios de comunicação que não a literatura, tais como o cinema, a música, seriados, telenovelas etc. (GOLDSTEIN, 2003, p.298).


 

            Além disso, pode-se dizer que um dos pilares de sustentação do seu sucesso e da sua representação de Brasil foi, principalmente, a forma peculiar como conseguiu “captar as identidades sensoriais da cultura popular baiana, seus cheiros, sabores, temperos, padrões de beleza, formas de sexualidade”. Isso porque além de comunicar, acionar a memória e proporcionar prazer, os sentidos serviriam também como “construções simbólicas, capazes de demarcar fronteiras e categorias e reforçar identidades”. (GOLDSTEIN, 2003, p.241-242). Como todo artista, portanto, é segundo o modo como trabalha a lógica dos sentidos, que o romancista sensibiliza o público.


 

            Assim, consegue captar algo profundo do modo popular baiano de apreensão estética e sensível do mundo – que é imediatamente reconhecido pelo leitor brasileiro e fascina o leitor estrangeiro pelo exotismo. (GOLDSTEIN, 2003, p.243).


 

            A partir desta análise, pode-se entender a popularização de sua imagem e de sua aldeia imaginária para além do campo literário, por exemplo, ao servir de enredo de escola de samba, temática da coleção de verão de grife de roupa, entre outras coisas.


 

            A verdade é que ele se nutriu tanto do conhecimento popular quanto do acadêmico e viveu boa parte de sua vida viajando pelo Brasil e o mundo. Conheceu e fez amizades com personalidades de renome internacional, tal como Pierre Verger, Carybé, Lúkács, Pablo Neruda, Jean Paul Sartre, e Léopold Senghor, nacional, como Antônio Carlos Magalhães, José Sarney, Di Cavalcanti e Rachel de Queiroz e também, localmente famosas, como Mestre Didi, Mãe Menininha de Gantois e o pai-de-santo Procópio. Assim, sua rede de relações pessoais englobava indivíduos de nacionalidades, origens sociais e posições político-partidárias diversas. Amado, foi deputado por São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro em 1945 e defendeu a liberdade religiosa.


 

            A obra que melhor encerra em si a visão de mundo e a representação de Brasil projetada por Jorge Amado é Tenda dos Milagres – 1969 - trata-se da questão da formação da nacionalidade brasileira, da luta contra os preconceitos, principalmente o racial, contra a pseudociência, a pseudo-erudição europeizante [...]. (AMADO apud RAILLARD, 1992, p.105; apud GOLDSTEIN, 2003, p.173).


 

            Neste, que também seria um romance de tese, onde a ideia da miscigenação aparece sob sua forma mais complexa, o objetivo do autor seria “contrapor os valores morais, religiosos e estéticos da cultura afro-brasileira ao artificialismo de uma modernização” que se caracterizaria pela influência de modelos culturais estrangeiros (OLIVEIRA, 2003, p.162), principalmente o norte-americano, durante o governo dos militares no Brasil.


 

            Esse regionalismo nacionalista associado à valorização da mestiçagem permitia a construção de um discurso otimista sobre o Brasil e sua relação com outras nações. O pluralismo que definia a sociedade brasileira não era excludente, não causou rupturas; ao contrário, visto do plano externo, irmanava as mais diferentes regiões do país, edificando a nação. (MAIA, 2008, p.140).


 

            Concluindo, pode-se observar que o Romance de 30 do Nordeste apresenta traços sociológicos e uma linguagem coloquial  com neologismos, mas mantendo uma norma culta de fácil entendimento, valorizando os temas que querem abordar. O romance de Jorge Amado narrou sobre o ciclo do cacau, a problemática do homem desprezado e explorado pelas classes sociais mais favorecidas, relata testemunho e denúncia social, de protesto e luta contra as injustiças, dos grandes coronéis; e da exploração do homem pelo homem.


 

            Para Fábio Lucas “Talvez o conjunto de romances do Nordeste constitua o documento mais enfático da disparidade social do país, pois a situação geográfica e histórica da região, de uma pobreza heróica e dependente, facilmente pode gerar mais vivamente o sentimento de protesto. Ali foi denunciada a atuação simultânea das forças telúricas e das instituições humanas para o esmagamento do homem e para tornar mais pronunciado o desnível entre as classes.”


 

            De acordo com Maria de Fátima Vaz de Medeiros, A obra de Amado tem um caráter político-social, de espaço quase sempre baiano, onde foca a opressão dos desprotegidos, normalmente, da produção do cacau, num estilo onde impera uma linguagem acessível, mas com um toque de lirismo, sobressaindo a sua solidariedade e profundo humanismo, como, por exemplo, em Terras do Sem Fim (1942), um dos seus romances com mais sucesso.


 

            Jorge Amado e outros mestres do Romance de 30 tiveram o grande mérito de revelar os problemas especiais do homem nordestino, tornando as suas obras autênticos documentos estéticos.


 

Usando uma técnica objetiva, realista e valendo-se da observação e da sociologia, criaram narrativas literárias que são verdadeiros documentos culturais do Brasil. Por isso, EduardoPortella afirma que “o romance do Nordeste, além de ser um documento humano, tem de ser também um documento literário”


 


 

Referências:


 

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. 14 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1988.


 

CHIAPPINI, Ligia. Velha praga? Regionalismo literário brasileiro. In: PIZZARRO, Ana. (Org.). América latina: palavra, literatura e cultura. São Paulo: Memorial;Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. p. 665-702. v. 2.


 

GOMES, Álvaro Cardoso. Jorge Amado: literatura comentada. 1. ed. São Paulo: Abril Educação, 1981.


 

GOLDSTEIN, Ilana Seltzer. O Brasil best seller de Jorge Amado: literatura e identidade nacional. São Paulo: Editora Senac, 2003


 

OLIVEIRA, Humberto Luiz L. de. Celebração da heterogeneidade: imagens do outro nas ficções literárias do Brasil, Quebec e Turquia. In: OLIVEIRA, Humberto Luiz de; SOUZA, Lícia Soares de (Orgs.). Heterogeneidades: Jorge Amado em diálogo. 2. ed., Feira de Santana, UEFS, 2003.


 

MAIA, Tatyana de Amaral. “Otimismo” e “Regionalismo”: as faces da ação estatal no setor cultural (1966-1975). Diálogos, Rio de Janeiro, UERJ, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, v.2, n.2, p. 135-145, jun. 2008  


 


 


 

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